Uma ideia não passa de uma ideia enquanto não é posta em prática. E só nessa altura, quando sai do papel ou da imaginação e ganha espessura real, é que começamos, finalmente, a conhecê-la e a perceber a sua identidade. O Imaterial nasceu na sequência da atribuição, por parte da UNESCO, do estatuto de Património Imaterial da Humanidade ao cante alentejano, expressão musical maior da região do Alentejo, e da vontade de promover o diálogo entre esta música que soa à voz da terra trabalhada de sol a sol e tantas outras que, nas mais variadas geografias, corporizam os costumes locais. Isso já o sabíamos: que este seria um festival para nos reforçar a certeza de que as fronteiras (políticas, geográficas, culturais) não passam de linhas imaginárias. E que as diferenças, quando existem, devem ser motivo de encantamento e não de desconfiança.
Aquilo de que apenas suspeitávamos era o quanto Évora, cujo centro histórico é Património da Humanidade, daria a perfeita escala para os encontros proporcionados pelo Imaterial - a música como partilha colectiva, as histórias como narrativas que se desprendem das canções e se estendem para lá dos palcos, o canto como prolongamento da mesa de refeições, as ruas como lugares naturais para que a música se escute e se misture com os sons da cidade. Uma escala que permite a proximidade entre músicos e público, uma escala que nos recorda o quanto a tradição, como fenómeno de transmissão, reinventada no Imaterial através de visões pessoais daquilo que pode significar hoje em dia, não pode ser feita de uma matéria museológica ou sagrada.
A tradição no Imaterial conjuga-se no presente e no futuro. Discute-se e reivindica-se para que continue viva e actuante. Para que tudo aquilo que carregamos como legado possa transportar-nos para novas formas de nos pensarmos como colectivo. Porque não há pensamento sem escuta.