Não tenho vagar amor… a memória do assassinato de Catarina Eufémia e a Reforma Agrária nas recolhas sonoras de António Modesto Navarro
Conversa com ANTÓNIO MODESTO NAVARRO (escritor) e PAULO LIMA (antropólogo)
No início de 1976, o político e escritor António Modesto Navarro (Vila Flor:1942), chega ao Alentejo para gravar testemunhos da revolução em curso. Tinha estado, desde 1969, a documentar as condições de vida e a revolução em Trás-os-Montes, Beira Alta e Lisboa.
Durante dois meses, Navarro fez extensas entrevistas em cerca de 30 locais dos distritos de Portalegre, Évora e Beja.
A poesia popular, o improviso e o ‘cante alentejano’ são envolvidos em depoimentos de rara beleza e pungência, num momento histórico único: três meses após o 25 de Novembro de 1975, e no momento em que a Assembleia Constituinte aprova a nova Constituição Portuguesa e Portugal vota para a eleição do seu primeiro governo democrático. Pela primeira vez na história de Portugal, todos votam.
As vozes de Ana Bragança, cantando em Benavila cantos políticos, as décimas impressas de José Virgínia e António Maria Coelho, gravadas em Aldeia dos Fernandes e Corte Vicente Anes, ou as modas cantadas em cima de tractores por camponeses de Pias quando se dirigem para o 1.º de Maio em Beja, assim como testemunhos recolhidos em Montemor-o-Novo, Santiago de Valongo, Montoito, Aljustrel ou Baleizão, mostram como o mundo camponês do Sul de Portugal sentiu e viveu o assassinato de Catarina Eufémia (1929-1954), a Revolução de Abril de 1974 e o início da «guerra da Reforma Agrária», em Abril de 1976, tempos que foram de insurreição e utopia camponesa.
Vozes gravadas há quase meio século de homens e mulheres que tomou o futuro nas suas mãos.
As mais de 100 horas de som feitas por António Modesto Navarro neste período revolucionário constituem um testemunho e um património sonoro único na história de Portugal.
Algumas destas recolhas, feitas com apoio do CENDREV, foram editadas em livro, e prevendo-se a sua edição completa em 2024 e 2025, com o título As vozes do gravador: reportagens políticas em Trás-os-Montes, Beira Alta e Alentejo (1973-1976).
ANTÓNIO MODESTO NAVARRO
Escritor e publicista. Foi técnico superior do Ministério da Cultura e fundador da Associação Portuguesa de Escritores. É autor de mais de cinco dezenas de livros de ficção, poesia e reportagem, com um foco particular nas regiões portuguesas longe dos grandes centros de decisão.
PAULO LIMA
Antropólogo; Membro da Comissão Executiva da Candidatura do Fado à Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da UNESCO; Coordenador das candidaturas do Cante Alentejano, do Fabrico de Chocalho e da Morna (Cabo Verde) à Lista Representativa do Património Cultural Imaterial da UNESCO. Prémio Imaterial 2023.